sexta-feira, 28 de março de 2014

O Despertar Matutino

*Um texto de Lázaro Ambrósio

O café está quente, excessivamente quente e fumegante. Eu o bebi, e assim queimei o palato.
 Queimei o palato justamente por que desafiei o sinal de perigo que a fumaça do copo quente exalava.
Era uma ameaça clara. Mas não me importei, e no fundo talvez tenha desejado sentir a dor da queimadura. 
Agora permaneço em silêncio, com certa ardência no palato provocada pela minha coragem estúpida.
Entretanto graças a minha insolência perante a natureza, eu pude despertar melhor, pois além do acréscimo de energia que o estímulo da cafeína me oferece, agora tenho também a dor como aliada. Descobri que ela é minha amiga, pois me deixa distante de qualquer sensação de sonolência.
Não quero a sonolência. Ela não me interessa, pois ela é um torpor. A sonolência me faz inútil, uma engrenagem enferrujada na máquina social deste mundo complexo. A sonolência convida-me a inatividade, e me impede de exercer meus ofícios, de cumprir as minhas obrigações e os meus deveres sagrados. Impede-me de ser uma ferramenta útil para a sociedade unificada em que vivo.
Talvez a cafeína tenha parado de exercer sua influência em meu sistema neurológico. E por isso eu fiquei desesperado. E por isso arrisquei meu palato numa aventura infame com este copo super aquecido.

Não odeio a queimadura. Sou sensato e me apego completamente ao seu incômodo incessante. E continuo sorvendo lentamente outros goles agressivos apaixonadamente estimulantes.

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