O café está quente, excessivamente quente e fumegante. Eu o
bebi, e assim queimei o palato.
Queimei o palato
justamente por que desafiei o sinal de perigo que a fumaça do copo quente
exalava.
Era uma ameaça clara. Mas não me importei, e no fundo talvez
tenha desejado sentir a dor da queimadura.
Agora permaneço em silêncio, com certa ardência no palato
provocada pela minha coragem estúpida.
Entretanto graças a minha insolência perante a natureza, eu
pude despertar melhor, pois além do acréscimo de energia que o estímulo da cafeína
me oferece, agora tenho também a dor como aliada. Descobri que ela é minha
amiga, pois me deixa distante de qualquer sensação de sonolência.
Não quero a sonolência. Ela não me interessa, pois ela é um
torpor. A sonolência me faz inútil, uma engrenagem enferrujada na máquina social
deste mundo complexo. A sonolência convida-me a inatividade, e me impede de
exercer meus ofícios, de cumprir as minhas obrigações e os meus deveres
sagrados. Impede-me de ser uma ferramenta útil para a sociedade unificada em
que vivo.
Talvez a cafeína tenha parado de exercer sua influência em
meu sistema neurológico. E por isso eu fiquei desesperado. E por isso arrisquei
meu palato numa aventura infame com este copo super aquecido.
Não odeio a queimadura. Sou sensato e me apego completamente
ao seu incômodo incessante. E continuo sorvendo lentamente outros goles
agressivos apaixonadamente estimulantes.
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