terça-feira, 1 de abril de 2014

Um dia tranquilo

*Um texto de Lázaro Ambrósio

Atormentado pelo relógio sigo contando os minutos das horas da minha vida vendida. Procuro abstrair, me orientar acerca de assuntos propostos pela mídia. Caço uma matéria que me provoque o asco necessário para sentir-me vivo, e arrancar-me deste estado de torpor. Mas o tempo vai engatinhando dolorosamente. E permaneço sentado na mesa deste escritório monótono. Enquanto o sol não encontra resistências para aquecer a paisagem da minha janela fechada. Abro uma fresta, respiro o cheiro da liberdade, a fecho novamente, e volto pro cotidiano da minha vida ilusória. Estava a ponto de deslizar na cadeira ao encontro de um sono profundo, que as noites mal dormidas há tanto tempo me impedem de ter, quando o chefe adentra na sala abrindo subitamente a porta, e sou obrigado a me ajeitar na cadeira, e simular que possuo como característica uma postura disposta ao trabalho. 
O chefe diz:
-Bom dia!

Eu sinto um nervosismo tremendo ao ouvir estas palavras. Ficarei ainda mais oito horas do dia mantendo este estado de bem estar que a frase dita procura estabelecer. Gostaria de mandá-lo para o inferno Arrancar meu crachá e arremessá-lo ao seu encontro. Maldizer o sistema que me obriga a servidão, vomitar algumas verdades bem na cara dele. E nesse movimento interno absolutamente insuportável, com a ânsia do grito subindo pela garganta afogada lhe respondo:
-Bom dia...

 O ar condicionado está frio. A cadeira me dói às ancas. A tela do computador me cansa as vistas. Quando escrevo, meu pulso fica dolorido. Quando subo as escadas em direção ao meu calabouço, me doem os joelhos. Estou envelhecendo. Os outros funcionários sorriem inexplicavelmente satisfeitos. Estou esquecendo a vida como era quando era livre e desempregado. Não consigo ser pontual, e me sinto sujo por isso. O chefe fala, e sua voz é cativante:
-Seu Cláudio, pode me imprimir o relatório do processo 1964/2013?

Deveria ser um movimento simples, um comando breve que executaria a ação em um tempo mínimo. Entretanto este é o meu tempo, o meu tempo que vendi junto com a minha vida perdida. E tenho o direito de sofrer a amargura deste meu desperdício. Neste momento gostaria de ter a minha alma de volta. Respiro e expiro profundamente procurando o equilíbrio dentro do meu desespero silencioso. Olho para o chefe por cima dos meus óculos antigos e respondo serenamente:
-Sim senhor...

Em um gesto ágil, realizo a tarefa da impressão através de um comando específico. E por um breve instante tenho a nítida impressão de ter sido útil. Uma faísca de alívio é sentida dentro do meu peito angustiado.

Meu holerite chegou. Abro devagar o envelope lacrado, observo os valores descritos, ao mesmo tempo em que uma lágrima discretamente desce pelo meu olho esquerdo. Não tenho certeza se a lágrima caiu pela emoção da recompensa. Por isso não a enxuguei, e deixei que ela secasse naturalmente, permitindo que escorresse por boa parte do meu rosto.  

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