*Um texto de Lázaro Ambrósio
Atormentado
pelo relógio sigo contando os minutos das horas da minha vida vendida. Procuro
abstrair, me orientar acerca de assuntos propostos pela mídia. Caço uma matéria
que me provoque o asco necessário para sentir-me vivo, e arrancar-me deste
estado de torpor. Mas o tempo vai engatinhando dolorosamente. E permaneço
sentado na mesa deste escritório monótono. Enquanto o sol não encontra
resistências para aquecer a paisagem da minha janela fechada. Abro uma fresta,
respiro o cheiro da liberdade, a fecho novamente, e volto pro cotidiano da
minha vida ilusória. Estava a ponto de deslizar na cadeira ao encontro de um
sono profundo, que as noites mal dormidas há tanto tempo me impedem de ter,
quando o chefe adentra na sala abrindo subitamente a porta, e sou obrigado a me
ajeitar na cadeira, e simular que possuo como característica uma postura
disposta ao trabalho.
O chefe diz:
-Bom dia!
Eu sinto um
nervosismo tremendo ao ouvir estas palavras. Ficarei ainda mais oito horas do
dia mantendo este estado de bem estar que a frase dita procura estabelecer.
Gostaria de mandá-lo para o inferno Arrancar meu crachá e arremessá-lo ao seu
encontro. Maldizer o sistema que me obriga a servidão, vomitar algumas verdades
bem na cara dele. E nesse movimento interno absolutamente insuportável, com a
ânsia do grito subindo pela garganta afogada lhe respondo:
-Bom dia...
O ar condicionado está frio. A cadeira me dói
às ancas. A tela do computador me cansa as vistas. Quando escrevo, meu pulso
fica dolorido. Quando subo as escadas em direção ao meu calabouço, me doem os
joelhos. Estou envelhecendo. Os outros funcionários sorriem inexplicavelmente
satisfeitos. Estou esquecendo a vida como era quando era livre e desempregado.
Não consigo ser pontual, e me sinto sujo por isso. O chefe fala, e sua voz é
cativante:
-Seu Cláudio,
pode me imprimir o relatório do processo 1964/2013?
Deveria ser
um movimento simples, um comando breve que executaria a ação em um tempo
mínimo. Entretanto este é o meu tempo, o meu tempo que vendi junto com a minha
vida perdida. E tenho o direito de sofrer a amargura deste meu desperdício.
Neste momento gostaria de ter a minha alma de volta. Respiro e expiro
profundamente procurando o equilíbrio dentro do meu desespero silencioso. Olho
para o chefe por cima dos meus óculos antigos e respondo serenamente:
-Sim
senhor...
Em um gesto
ágil, realizo a tarefa da impressão através de um comando específico. E por um
breve instante tenho a nítida impressão de ter sido útil. Uma faísca de alívio
é sentida dentro do meu peito angustiado.
Meu holerite
chegou. Abro devagar o envelope lacrado, observo os valores descritos, ao mesmo
tempo em que uma lágrima discretamente desce pelo meu olho esquerdo. Não tenho
certeza se a lágrima caiu pela emoção da recompensa. Por isso não a enxuguei, e
deixei que ela secasse naturalmente, permitindo que escorresse por boa parte do
meu rosto.
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